segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Insatisfação

Pega o ônibus às 17 horas para um lugar inédito a ele. A viagem dura um pouco mais de uma hora e meia, entre pulos e mais pulos causados pela estrada em más condições. Está entre amigos e a viagem é divertida, mesmo com as tentativas frustradas de o ônibus quebrar lhe o cóccix.

Depara com uma mulher desconhecida, mas com idéias e cabeça totalmente diferente da dele. Não dá muita atenção a ela, seus amigos dão. Sempre foi antipático, ou aparentava ser. Não era de “dar-se” com facilidade. A tal mulher aos poucos foi mostrando o que realmente queria, ele a olhou com mais indiferença ainda – sem faltar com a educação – mas mantendo ainda mais a distancia, porém o que presenciou seria mais corriqueiro que o normal nos dias seguintes, tornando-se até normal com o tempo por se acostumar e não haver outro jeito se não esse.

Chegando à cidade, pegou suas coisas no ônibus e partiu para o camping que desejava ir - ou pelo menos um de seus amigos tinha boas recomendações. Ao adentrar o recinto, percebeu que não era bem aquilo que desejava, mas como todos que estão numa sinuca de bico, deixou as coisas fluírem e ver no que ia dar. Ajeitou a barraca, colocou sua bolsa dentro e foi dar uma volta pela cidade. Começou até a gostar do local, aparentemente bem aconchegante e com um ar de roça mais do que normal. As pessoas que por lá circulavam não eram nem um pouco comuns em seu cotidiano, mas nada que alguns minutos não o fizesse se acostumar com aquilo tudo. A fome foi chegando e teve de arrumar algum lugar para amenizá-la e correu até o “P.F” mais próximo. Comida caseira, normal, que o fez ficar mais sossegado por parecer que estava na casa de alguém.

Pagou a comida – que tinha o valor extremamente alto para um “P.F” – voltou para a barraca e passou alguns minutos contemplando o céu e suas estrelas que na cidade não tinham tanto brilho como no campo. Alguns pensamentos soltos foram aparecendo em sua cabeça, uns bem criativos, outros nem tanto, mas que logo foram esquecidos devido a falta de um papel e caneta para registrá-los. De barriga cheia e acomodado, a conversa com os amigos era boa, mas a briga com o sono foi incessante e o sono acabou perdendo para a barraca que não suportava alguém de 1,85m de altura, dando lugar a câimbras e mal-estar no corpo – sem falar na noite não dormida, é claro.

O dia seguinte começou cansativo, a noite não dormida deu lugar ao mal estar e preguiça sem fim, mas que teve de ser superada por uma longa caminhada de 6 km até a cachoeira desejada. Em meio ao suor e cansaço, a vista da natureza foi contemplada e propiciando o silencio que há tempos não era ouvido por ele. Cerca de 2 horas depois, teve de voltar à cidadela para almoçar – um miojo que foi degustado com certo desdém, jamais fez um miojo tão ruim como aquele e sem um porquê. Minutos após almoçar, voltou à cachoeira para tomar um agradável banho gelado. A água gelada o deixou arrepiado dos pés à cabeça, mas o revitalizou e relaxou seu corpo todo, feito uma massagem tailandesa.

Teve que retornar ao camping pois a noite já estava chegando. Ao chegar, abriu a barraca para ver se estava tudo conforme deixado, deitou na grama e percebeu que o céu estava se fechando. O medo da chuva foi aparecendo, e agravou-se após a ligação de sua mãe dizendo que a chuva já havia chegado por lá e não demoraria muito para que ela o encontrasse. Não deu outra, a chuva chega molhando suas roupas, colchonete e alagando sua barraca. O desespero era grande e o stress também. Após ficar cerca de 2 horas brigando com a água, decidiu sair e ir até um lugar coberto e seco. Ao sair da barraca, escorregou e foi de bunda ate o fim do morro onde se encontrava sua barraca. Sua única reação foi a de bater no chão lamacento com raiva, levantar-se e rir da própria desgraça. Chegando ate o local desejado, depara-se com algumas outras pessoas que também fugiam da chuva e de suas barracas alagadas, porém elas não estavam ali apenas por isso,seu objetivo era apenas o de usufruir de drogas ilícitas – ilícitas apenas em outras cidades, pois ali parecia que quem não usasse era visto como o marginal. Ele só olhava as pessoas se drogando, e a cada vez que ofereciam a ele algo, um “não” era dito seguido de “to na paz, agora não”, para que não percebessem que ele não era disso e o forçassem a algo – nunca se sabe a reação de pessoas desconhecidas, ainda mais quando são maioria e você está sozinho no meio do nada, sem local para onde correr.

O frio era incessante, ainda mais com aquela roupa molhada e coberta de lama. As pessoas foram embora e ele ficou sozinho por alguns minutos, mas logo apareceram mais pessoas e novas drogas que ele jamais havia visto e presenciado o uso de tais entorpecentes. O inicio foi estranho a ele, mas logo se acostumou, pois, ou se acostumava com aquilo, ou voltava para a chuva. Melhor ficar ali mesmo, afinal nada de mau estava acontecendo a ele. A espera pela manhã o deixava louco, e a lembrança de sua casa quentinha com sua cama aconchegante faziam com que o tempo demorasse ainda mais a passar, ainda mais rodeado de drogas e usuários que não o deixavam nem um pouco relaxado.

A manhã chegou, a chuva não se foi, a pressa de ir embora crescia junto com o frio e os tremeliques de seu queixo, porém teve de enfrentar aquela aguaceira toda, descer sua bolsa e barraca para poder pegar o ônibus das 9 horas que fora perdido por falta de informação. Alguns muitos metros tiveram de ser andados em busca do ponto de ônibus, carregando muitos quilos de roupas molhadas e etc. Ao chegar no ponto, pensando estar livre daquele mundo de drogas que não era agradável a ele, depara-se com um casal que acampava no mesmo camping que ele e um tempo depois acenderam uma cannabis e disseram coisas sem sentido, que faziam sentido apenas para usuários. Parecia que aquilo não tinha fim. O ônibus então chega, mas demora cerca de 20 minutos para sair, porem pelo menos já estava dentro e 2 horas de viagem o separavam de sua casa. O sono de 2 noites não dormidas era arrebatador, mas os pulos realizados pelo ônibus por causa dos buracos na estrada não o deixavam relaxar e dormir, todavia foi só chegar na parte asfaltada que dormiu sem sentir, acordando minutos depois ao encostar a testa em sua mochila.

Chegou em terreno seguro e o alivio apareceu. Entrou em casa, tomou um belo banho quente, comeu algo bem rápido, pois o almoço não estava pronto e foi deitar na tão esperada cama aconchegante que o abraçava cada vez que deitava, ninando-o feito um bebê.

Perrengues como este proporcionam a reflexão de qualquer pessoa que passa por isso. Sempre desejamos sair de casa e viver uma nova historia em algum lugar distante de tudo e todos, mas freqüentemente o que mais queremos é o aconchego do lar e a proximidade da família. Nem sempre quando conseguimos o que queremos, quando temos, é o que realmente queremos.

Nenhum comentário: